O dilema da "Odete de Schrödinger"
- Guto Aeraphe
- 20 de out.
- 3 min de leitura

O remake da novela "Vale Tudo", tentou trazer de volta o icônico mistério que parou o Brasil em sua primeira versão: quem matou Odete Roitman? No entanto, a autora Manuela Dias, com certeza sem nenhuma intenção, elevou a questão a um novo patamar, criando o que podemos chamar de um subgênero do mistério: o dilema da "Odete de Schrödinger".
Explico. A personagem central da trama, interpretada por Debora Bloch, encontrava-se (graças a inúmeras decisões equivocadas de roteiro e direção) em um estado de superposição quântica, onde para o público, ela estava simultaneamente viva e morta. Essa incerteza, alimentada por declarações da própria autora sobre a gravação de múltiplos finais e o crescente número de teorias pelas redes sociais de que a vilã poderia ter forjado a própria morte, lança o espectador em um mar de possibilidades que desafia as convenções do gênero.

Para entender a tese por trás da "Odete de Schrödinger", precisamos nos voltar para o famoso paradoxo do Gato de Schrödinger. No experimento mental proposto pelo físico Erwin Schrödinger, um gato é colocado em uma caixa selada com um frasco de veneno que pode ou não ser liberado por um elemento radioativo. Enquanto a caixa estiver fechada, o gato existe em um estado de superposição: ele está, ao mesmo tempo, 50% vivo e 50% morto. Somente ao abrir a caixa e observar o seu conteúdo é que a realidade se define em um único estado.
Manuela Dias, ao plantar a semente da dúvida sobre a veracidade da morte de Odete Roitman, aprisionou a personagem em sua própria caixa quântica. Para a audiência, que aguardava ansiosamente o desfecho, Odete não estava nem definitivamente morta, nem comprovadamente viva. Ela existia nesse limbo narrativo, onde todas as possibilidades coexistem. A "observação" que definirá seu destino foi o último capítulo da novela, momento em que a dúvida sobre a personagem finalmente se firmou em uma única realidade.
Se tratada de forma inteligente por roteirstas e diretores, essa abordagem não apenas moderniza o clássico "quem matou?", mas também engaja o público de uma maneira muito mais profunda. Não se trata mais apenas de reunir pistas para desvendar um crime, mas de questionar a própria natureza dos fatos apresentados.
Esta teoria se destaca ainda mais quando a contextualizamos dentro dos subgêneros clássicos do mistério, que tradicionalmente nos apresentam perspectivas bem definidas da moralidade e da ação. De forma geral, podemos dividir o gênero de mistério em três grandes vertentes, cada uma com seu protagonista característico:
As Histórias de Detetive: Neste formato, o protagonista é o "mocinho", a figura do investigador, seja ele um policial, um detetive particular ou um amador curioso. O foco da narrativa está no processo de dedução e na busca pela verdade. O espectador acompanha passo a passo a resolução do crime, juntando as peças do quebra-cabeça ao lado do herói. O objetivo é desvendar o mistério e restaurar a ordem.
Os Filmes de Bandido (ou Ficção de Crime): Aqui, a perspectiva se inverte. Acompanhamos a história do ponto de vista do criminoso. O protagonista é o "bandido", e a trama se desenrola em torno do planejamento, execução e as consequências de seus atos ilícitos. O espectador é convidado a entender a mente do antagonista, suas motivações e, muitas vezes, a torcer para que ele escape da captura.
Os Thrillers e o Anti-Vilão: O thriller se concentra na tensão, no suspense e na adrenalina. O protagonista muitas vezes se encontra em uma situação de perigo iminente. Dentro deste gênero, encontramos a figura do "anti-vilão", um personagem que, embora cometa atos questionáveis ou até mesmo criminosos, possui motivações que o público pode compreender e, em certa medida, justificar. Ele não é puramente mau, e suas ações são frequentemente uma resposta a uma injustiça ou a uma situação extrema, borrando as linhas entre o certo e o errado.
Ao criar essa dualidade, mesmo que de forma involuntária e cheia de equívocos dramaturgicos, a autora Manuela Dias e sua "Odete de Schrödinger" transcendem essas classificações. A incerteza sobre o estado da personagem – viva ou morta – ao longo dos capítulos da novela, impede que a trama se encaixe perfeitamente em um único subgênero. Se ela estiver morta, temos uma história de detetive clássica. Se estiver viva e forjou a própria morte, a narrativa se aproxima de um thriller com elementos de um plano elaborado por uma mente criminosa.
Resta-nos agora, como criadores, avaliarmos as possibildiades deste novo subgênero.
Guto Aeraphe



Comentários